História 44

Um Saci centenário

O ano de 2017 marca o centenário de uma inusitada publicação gestada pelo entusiasmo do escritor Monteiro Lobato. Trata-se do afamado livro “O Sacy-Pererê – Resultado de um Inquérito”, que surgiu em 1917 como proposta apresentada aos leitores do jornal “O Estado de São Paulo” para que os mesmos enviassem informações sobre o duende brasileiro.

As colaborações superaram as expectativas de todos e um ano depois, em 1918, foram compiladas em forma de livro. Há uma ou outra intervenção de Lobato no livro, mas basicamente são coletâneas de cartas de leitores enviadas ao jornal. A obra tornou-se referência, posteriormente, pela riqueza de informações que trouxe sobre o mito do Saci-Pererê. Percebe-se, pela leitura do “Inquérito”, que a figura do Saci não apresentava uma uniformidade, variando de lugar para lugar, de região para região. A capa do livro, por exemplo, apresenta um Saci com porrete na mão e chifres na testa.

Adelino Brandão, no artigo “Presença do Saci”, publicado na Revista do Arquivo Municipal (nº CLXXXII, ano 1971), adverte que a figura do Saci, “estilizada na figura do pretinho unípede, que fuma cachimbo, usa um barrete vermelho e se diverte dando nó na crina dos cavalos” (BRANDÃO, 1971, p. 18), resultou de um processo de muitas metamorfoses e transformações.

Saci com duas pernas, Saci branco, Saci indígena... Atualmente o pesquisador e escritor Olívio Jekupé tem se esforçado em mostrar que a origem do nosso Saci está entre os indígenas brasileiros. Maria Luíza Campos Aroeira, no livro “Minhas Atividades” já dizia que o Saci era fruto da imaginação das três principais etnias formadoras do povo brasileiro. De acordo com essa autora, primitivamente o Saci era indígena mesmo e chamava-se Yaci Yaterê.

Por outro lado, José Carlos Rossato, no livro “Saci”, chama a atenção para o fato de que “primitivamente o Saci surgiu como um Mito ornitomórfico, isto é, um pássaro encantado” (ROSSATO, s/d, p. 17). O mesmo autor apresenta uma lista de seres fantásticos de diversos países e que são correspondentes ou análogos ao nosso Saci: Gremlim, nos Estados Unidos; Fradinho da Mão Furada em Portugal; Curilo na Inglaterra; Kobolde na Alemanha.

Curiosamente, a historiadora Ecléa Bosi recolheu uma informação interessante. Um de seus entrevistados para a sua tese de doutorado, que se converteu no livro “Memória e Sociedade – Lembranças de Velhos”, apresenta o seguinte testemunho:
“A respeito do meu pai tenho que contar que ele viu o saci. O saci brasileiro tem uma perna só, mas o saci italiano tem duas pernas. Chamava-se, pelo dialeto que falávamos em casa, scazzamuriddu, parece-me que quer dizer aquele que salta muros. Era pequeno, baixinho, arteiro, sabia onde estavam os tesouros e os dava para quem ficasse com o chapéu dele. Minha mãe dizia: ‘Você é tão bobo que deixou o saci fugir com o boné’” (BOSI, 1994, p. 224).

Pois é. Passados cem anos ainda nos deparamos com o Saci metamorfoseado, nos confundindo e logrando, realizando as suas artimanhas para não ser capturado pela nossa razão, cujo único intento é destruir o que de belo e humano a imaginação criou.



Carlos Carvalho Cavalheiro
16.01.2017

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