Quem tem medo de saci?
Ninguém sabe ao certo
quando ele chegou nestas bandas, igual ele não era. Era
como ver nosso senhor Jesus Cristo, cabelo comprido,
olhar sereno, mas os fatos que se sucede bota
desconfiança nessa aparência.
É certo que fazia muito sol, a garrafa parecia para
matar a sede, mas o sinal na tampa denunciava mal
agouro. Só podia ser coisa ruim. Quem é que por essas
bandas anda com garrafa com cruz na rolha? Rolha, sim
senhor, garrafa de rolha. E em modo de quem tá com olho
no depois, assim com pressa, com passo pequeno, deixa a
maldita no balcão pede gentileza e sai deixando a
garrafa para trás.
Foi como espinho na carne mal curado, resfriado que
ainda não chegou, um incômodo, uma desconfiança que tira
o sossego. O assunto correu mais que tatu procurando a
cova. Em minutos a vizinhança inteira já tinha passado
por lá para ver a tal garrafa que soprava para dentro.
As rezadeiras, de pronto souberam do acontecido e de bom
grado confirmaram a desconfiança.
Era coisa ruim mesmo. Coisa de gente pactuada e que não
era certo ficar com isso perto de crianças. Se ele vinha
de outro lugar, porque então não abandonava por lá esses
malfeitos? Porque tinha que trazer de acolá? Quem vinha
botar reparo acrescentava: as pessoas de lá tudo tem uma
garrafa para pegar coisa ruim, mexe com essas coisas...
Que vixe não é bom nem de falar.
Outros espiculava: é verdade que o cabelo dele é assim
por causa de promessa? Para fustigar arremedavam: só se
for mesmo com o coisa ruim. Os mais afoito futricavam:
as empregadas da casa nunca pode lavar umas toalha
branca que vive estirada por lá.
Como se não bastasse o sopro de dentro toma forma de
homem, como que para mostrar que ele tava de butuca na
conversa. Foi o que bastou para que logo mais ali ao
lado uma legião de santos, rezas e bênçãos fossem
invocadas. Era guerra declarada. E não é que a dita
assim como veio, foi embora, sem dar a menos sastifação,
coisa de gente tinhosa. Sem a menor modéstia as
rezadeiras contaram o placar 1 a 0 para nós.
Elaine Machado |