História 05
Alexandre Fávero
Sombrista e pesquisador
Cia Teatro Lumbra de Animação
Porto Alegre/RS - Brasil

Tá cada vez mais difícil ver Sacy aqui pros pagos do sul. Como diretor teatral, procurei, no ano 2000, um tema do folclore popular brasileiro para montar um espetáculo infantil nos palcos de Porto Alegre. Encontrei em uma bibliotéca da Universidade Católica, a fotocópia, com páginas arrancadas, do genial inquérito de Lobato. Devorei o material em 3 dias de leitura. Depois disso, abandonei o Curupira, o Negrinho do Pastoreio e todos as demais entidades pra louvar o Sacy. Participei de um edital de patrocínio e ganhei uns trocados pra resgatar o Sacy, na época, desgastado pelas aparições nos gibis, televisão, cartões telefônicos e bonecos fofinhos. A inspiração dos relatos me guiaram pela escuridão da noite e pela escolha do teatro de sombras como ferramenta de expressão do espetáculo. Buenas, sucesso total. Um espetáculo para crianças corajosas e adultos curiosos. Trabalho de 2 anos de pesquisa e experimentalismo técnico, mas, foi necessário conferir de perto, na calada da noite, quem é esse tal de Sacy:

Na minha infância o Saci sempre foi muito tímido, creio que pela concorrência e confusão com o Negrinho do Pastoreio. Lenda muito contada pelas bandas de cá.
A maior fama do Saci foi no esporte, como mascote do Sport Club Internacional, o Colorado. A figura desse negrinho, vestindo a camisa do time, um único pé de chuteira, segurando a bola numa mão e o cachimbo na outra, sempre figurou no imaginário da gauchada. Seja gremista ou colorado o Sacizinho estava lá, marcando presença.
Atualmente a molecada do interior ainda leva fé no negrinho, mas na cidade grande a coisa é diferente. É raro encontrar um piá que troque os truques de um Pokemón pelas peraltices do Saci.
No meu caso, depois de grande é que fui me interessar por um contato mais próximo com essa entidade tipicamente brasileira. Como informado no início desse relato, o trabalho profissional no teatro me levou a tal façanha. Uma caçada de Sacy ou uma sacyzada.
O local escolhido para o contato foi a barranca do Rio Jacuí, no município de Eldorado do Sul, distante 30 Km de Porto Alegre e sabidamente isolado, repleto de bambuzais e taquarais. Sábado de tarde, chuva grossa inundando uma ampla várzea onde se plantam infinitas quadras de arroz, servia de cenário para a aventura. Eu e dois colegas de produção pegamos alguns suprimentos, sacos de dormir, lampião, uma barraca e fomos cruzando de Kombi uma estarda de chão. Barro, pontilhões e atoleiros foram vencidos. Na hora da boquinha da noite, quando não é nem dia nem noite foi que aconteceu o fato. A Kombi empaca num grande atoleiro. Escurece. A mosquitama ataca de surpresa e os aventureiros fogem em debandada procurando gravetos e lenha pra fazer fogo e fumaça pra espantar a bicharada sedenta. Na correria muita coisa perdida e barulho no mato. Já era coisa do danado. Em meio aos espinheiros de Maricá, uma árvore muito da selvagem, fomos nos ambientando ao local. Estávamos numa encruzilhada. Não tinha pra onde ir. O fogo foi atiçado e passamos a noite alí mesmo. Contando causo, fumando um palheirinho, curando as feridas e nos benzendo contra as assombrações que vagavam nas imediações. A surpresa maior foi pela manhã, quando fomos desatolar a Kombi. Para o espanto de todos, a lataria branca da Kombi estava toda salpicada de tinta vermelha. Muitas gotas, respingadas pelo diabinho perneta. Foi nesta hora que percebí que haviamos caído na armadilha do Sacy. A lição foi aprendida e a caçada muito bem sucedida. Quer coisa melhor pra aprender sobre Sacy?
Hoje já estou mais familiarizado com o negrinho. Nos espetáculos, trabalhamos com rosários bentos na água da santa missa, temos rolhas marcadas com cruz e o barrete sempre seguro na mão. Nosso Sacy já assustou mais de 17 mil crianças e adultos por esse Brasil afora. Quem quiser conhecer nossas assombrações é só visitar a nossa página na internet: www.clubedasombra.com.br Tem Sacy e muito mais!
 
Preserve a mata, apague a luz e veja a sacyzada brincando na madrugada.
 
Abraço
 
Alexandre Fávero
Sombrista e pesquisador
Cia Teatro Lumbra de Animação
Porto Alegre/RS          Brasil

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