História 01
Saci-Pererê na região sorocabana
Há quem
acredite que o Saci-Pererê esteja morto. Muitos julgam
que a luz elétrica, a televisão, as escolas, o asfalto,
o concreto... tudo isso foi sufocando, pouco a pouco o
negrinho d’uma perna só causando-lhe o óbito. Nada mais
inverídico.
O Saci não
morreu. O Saci só fugiu. Mais esperto que a maioria dos
homens, percebeu que a poluição, a vida agitada e o
corre-corre desenfreado da vida urbana vão definhando o
ser humano: em seu corpo e em seus sonhos. Sim, não é só
a matéria que sofre. Também o espírito, a fantasia.
E o Saci sai
de um lugar e brota noutro. A vó Cida, benzedeira da
Vila Amélia, na sabedoria dos seus mais de noventa anos,
sempre conta que era comum se ver Sacis em Sorocaba. A
Vila Amélia, o Lajeado, o Vergueiro... esses bairros
eram um matagal só, habitado por lobisomens, almas
penadas e sacis. Segundo a vó Cida, tratava-se de
espíritos sem iluminação, que tomavam as formas mais
estranhas por falta de instrução. Depois, com o advento
do espiritismo kardecista, os espíritos foram se
esclarecendo e, por isso, quase não se vê mais os
espectros e assombrações.
No início da
década de 1980, um colega de escola, Marcelo Longo,
dizia que ouvira a história de que originalmente o Saci
possuía duas pernas e tivera uma delas esmagadas por um
bando de cavalos em disparada. Daí o Saci se revoltou
contra os eqüinos e por esse motivo os persegue até
hoje. Outra história que li sobre Saci em Sorocaba, no
Diário de Sorocaba, num artigo escrito por Alcir Guedes,
dizia que um senhor havia capturado um Saci e que o
mantinha no porão de sua casa, na Vila Santana.
Um amigo,
Marcelo Detogni Pomar, contava que sua avó (ou seria o
avô?) fora abordado no meio do caminho por um Saci que
lhe cumprimentou e, ato contínuo, soltou uma deliciosa
gargalhada. Deliciosa para o Saci, assustadora para quem
a ouviu.
Recentemente, há uns quatro ou cinco anos, na região do
Caguaçu, lugar que ainda preserva características
rurais, apareceu um boi judiado (não me recordo se foi
espancado ou coisa que o valha), com o rabo amarrado em
si em forma de nó. A notícia se espalhou pelo lugar: foi
obra de Saci. Quem recolheu a história foi minha esposa,
a pesquisadora Adilene Ferreira Cavalheiro.
Na mesma
época recolhi algumas histórias sobre Saci contadas pelo
senhor Rafael Lopes da Silva, morador em um sítio em
Porto Feliz. No dia 23 de abril de 2000, estive com ele
conversando sobre a presença do Saci naquela cidade.
Disse-me que outrora, especialmente nas terras marginais
à Rodovia Castelo Branco, havia muito Saci. Uma das
traquinagens do negrinho foi atrair uma criança para um
espinheiro. Outra história comum é a de que caçadores
tentavam atirar em um pássaro e a arma falhava. Quando
se afastavam da caça, a arma funcionava e se ouvia o
canto: saci, saci... Era o danado do Saci-Pererê
disfarçado de ave.
Depois que a
rodovia surgiu, a luz chegou e os caminhões não deram
trégua ao silêncio de antes, o Saci de lá também
desapareceu.
Carlos Carvalho Cavalheiro.
08.01.2006. |